Sem dúvida nossos alunos serão adultos em um mundo muito diferente do atual, se hoje já nos assustamos com as mudanças, comparando a infância de hoje, com a das décadas anteriores, vislumbramos imensas diferenças, será?
Não é incomum nos recreios das inúmeras escolas Brasil afora ouvir a mesma cantilena; “as crianças de hoje não sabem brincar”, mas analisemos essa frase sob uma perspectiva sociológica e histórica:
O que é brincar, o dicionário friamente define;
1.
transitivo indireto e intransitivo
distrair-se com jogos infantis, representando papéis fictícios etc.
"b. de mímica, de médico"
2.
transitivo indireto e intransitivo
POR ANALOGIA
entreter-se com (um objeto ou uma atividade qualquer).
"o filhote brincava com um novelo"
Bem observado, é o que as crianças fazem de acordo com as ferramentas que possuem, o problema é que o adulto toma como parâmetro de infância a sua própria, infância que aconteceu em um outro tempo, cuja o meio social alimentava aquelas crianças com outros repertórios e possibilidades.
Mas então seria aquela infância uma infância ideal, longe dos riscos da vida moderna?
Amigo saudosista, lamento, mas o passado não era muito gentil com as crianças, contudo vamos definir qual passado, anos 60, 70, década de 80, 90, para os mais novinhos os anos 10 do século XXI já clama por suspiros. Contudo não precisamos ir aos contemporâneos de Tutancâmon, fiquemos pelas últimas 4 décadas brasileiras, analisamos os números:
Nos anos 70 segundo o próprio INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) o índice de crianças entre 7 e 14 anos nas escolas era de 67,1%, ou seja, tínhamos mais de 30% da população infantil sem qualquer acesso educacional, com os pequenos a situação era mais dramática apenas 9,3% frequentavam algum tipo de pré-escola. Ou seja direitos básicos como se alfabetizar e ter instrução escolar era para alguns. (Disponivel em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484154/Estat%C3%ADsticas+da+educa%C3%A7%C3%A3o+b%C3%A1sica+no+Brasil/e2826e0e-9884-423c-a2e4-658640ddff90?version=1.1)
Sem contar que como o Brasil era na época um país agrícola, grande parte desta infância era passado sob trabalho braçal, por vezes em detrimento aos estudos.
A visão da maioria dos adultos está impregnada de sua própria infância, por vezes deixamos de fazer uma avaliação crítica da realidade.
Que a infância hoje enfrenta grandes problemas, como reduzido espaço para atividades ao ar livre, violência de todo tipo, escolas de má qualidade, espaços urbanos sem opções de lazer e cultura, sedentarismo entre outros, a infância do passado também tinha seus desafios, não vivíamos em uma era dourada de harmonia e respeito as criancinhas.
Quanto ao brincar, os pequenos brincam como forma de ressignificar o mundo, de buscar ferramentas para digerir a realidade, mas ao mesmo tempo, seu repertório é alimentado pelo seu cotidiano, pela sua realidade social, e é no contemporâneo que a criança abastece seu repertório de brincadeiras, como querer que vivencia experiências que hoje praticamente sumiram, principalmente em grandes centros urbanos? Onde a realidade familiar já não é mais a mesma?
Se estes possuem comportamentos que são indesejáveis e prejudicam a si e a colegas, como brigas, desatenção, falta de dedicação aos estudos, são elementos pontuais, devemos parar de culpar a mão invisível do contemporanio, do “ hoje é assim”, não, o hoje é uma construção do ontem, é fruto de nossas decisões, cabe aos educadores pensamento objetivo e estratégia planejada.
Que as crianças são encantadas pelo mundo da eletrônica isso é fato, mas o que mais preocupa os adultos é por vezes o exagero que esse encantamento assume. Por vezes vemos crianças horas a fio em video-games e smartphones em detrimento a atividades ao ar livre, em alguns casos é pura falta de opção, em outras descontrole ou omissão dos responsáveis, afinal crianças não compram seus aparelhos e nem deveriam decidir o percentual de horas que devem se dedicar a esses equipamentos. Contudo os pequenos não tem maturidade para tal e como a maioria dos jogos e aplicativos é construída para fixar o usuários o maior tempo possível o resultado por vezes pode ser a dependência. mas não quero analisar essas questões, quero ir por outro caminho, o do eletrônico como fator da construção social da infância atual. Se nos anos 40 e 50, brinquedos improvisados pelos pais e crianças como bonecas de pano, carrinhos de lata de óleo eram a marca daquela infância e nos anos 80 os desenhos e animes da TV aberta era o fator mais significativo, hoje sem dúvida o smartphone com seus milhões de aplicativos é a cara de nossas crianças, saber conviver com isso é nossas responsabilidade, até porque somos nós mesmos que compramos esses aparelhos para presenteá-los.
Alguns adultos e educadores tomaram os eletrônicos como um inimigo a ser combatido, lembrando que foi assim com a TV a alguns anos, agora a maioria dos males da infância repousa sob as 5 polegadas da tela do celular. Achar que por causa dessa invasão digital o repertório da infância é menor ou mais pobre é desconhecer o mundo infantil, talvez o acesso a informação tenha até aumentado essa perspectiva, não é raro ver crianças comentando sobre séries animadas ou heróis de décadas atrás, resultado do livre acesso que a internet possibilita.
Obviamente estamos atendo aos desafios e toda problemática que esse começo de século atrás, mas com certeza não é lamuriando-se sobre placidez do passado que iremos resolver algo, devemos encarar os problemas com uma perspectiva de mudança e enfrentamento, para que no futuro ninguém lamente as nossas decisões ou a falta delas.