Pelo visto a educação gosta de eleger seus demônios, volta e meia aparece um responsável por deturpar a ordem reinante na sala de aula. Na atualidade quem vem ganhando esse título é o telefone celular ou melhor os smartphones, principalmente entre aqueles mestres que lidam com adolescentes, a reclamação é constante, tanto que o governo do Estado de São Paulo a alguns anos baixou decreto proibindo o uso dos aparelhos por alunos nas dependências das escolas estaduais (devia ter estendido os decretos a suas penitenciarias onde o dano é mais comprovado), decisão que acabou voltando atrás com certas ressalvas. A questão aqui não é o aparelho em essência, uma vez que este é apesar da carga simbólica e tecnológica que possui, só um instrumento, tal qual um lápis, uma bola ou um ancinho (aquilo que rastelamos grama e folhas secas). Bani-lo funciona como o sujeito acometido de dores nos dentes e vive a tomar analgésicos em vez de consultar um dentista, alivia-se o sintoma sem tratar a causa.
O problema não está na engenhoca mais no seu uso e como a escola o qualifica. É claro que reconhecemos o quanto de distração e inconvincentes pelo mal-uso um celular pode causar, contudo o problema não está no aparelho em si e proibir seu uso apenas empurra os problemas para debaixo do tapete.
Uma das grandes praticas do K12 Computer Science (Parâmetros orientadores para a criação de currículos em informática educacional desenvolvida pela Computer Science Teachers Association, para todos os estados do EUA) são os “impactos da computação” que trata exclusivamente dos efeitos saciais da computação no mundo moderno, isso inclui desde impactos psicológicos, como abuso e dependência, até os sociais envolvendo aliciamento, golpes financeiros, o cyberbullying. Ainda aborda temas que poderíamos chamar de etiqueta digital, onde englobariam nossos hábitos com uso destes recursos, principalmente ligados a relação entre nossos dispositivos e as pessoas a nossa volta, isso incluiria o uso de celulares em almoços, durante conversas, discussões sobre o direito de ser ou não fotografado, dos avisos sonoros das mensagens e chamadas e acima de tudo quando é aconselhável e mesmo recomendável se desligar o aparelho, sob pena de até mesmo se contrariar a lei.
A verdadeira discussão deveria ser realizada num patamar mais amplo, não de proibição, mas sim de quando não se é conveniente usar um smartphone devido ao mesmo estar a prejudicar a nós ou a terceiros.
O problema se analisado sob uma ótica mais profunda, resvala no famoso choque de gerações, onde de um lado temos adultos praticamente recém-chegados ao mundo digital, como nas palavras do John Palfrey autor do livro “Nativos Digitais” os migrantes digitais, oriundos de um mundo analógico mediado por páginas, contra o nativo digital a geração que já nasceu sob o domínio das telas e tem a onipresença da rede mundial de computadores sendo tão natural como o oxigênio que respira, em resumo retirar um celular de um nativo é como lhe amputar um órgão, enquanto para o irritado professor é apenas como se livrar de um brinquedo barulhento que está a atrapalhar a aula, o pior disto tudo é que os dois possuem razão.
De um lado temos estudos em varias universidades internacionais e brasileiras confirmando a piora na concentração e desempenho acadêmico de alunos que usam excessivamente celulares. Uma delas foi publicada na revista especializada britânica "Computers & Education" em 2018, realizada com estudantes brasileiros da Fundação Getúlio Vargas, na ocasião foram monitorados 43 estudantes de pós graduação que aceitaram a instalação de um app que monitorava o tempo de uso de seus celulares, a conclusão foi de que um estudante que use seu smartphone pelo menos por 4 horas diárias é capaz de reduzir consideravelmente seu desempenho, ou seja a cada 100 minutos diários usados, um estudante tende a recuar 6,3 pontos na escala elaborada na pesquisa que vai de 0 a 100. Já se for em horário de aula ou no momento em que o mesmo deveria estar concentrado em atividades acadêmicas o recuo é de 12 pontos. Segundo a pesquisa o fator é agravado pois o tempo dedicado ao uso costuma ser bem superior ao que o usuário imagina.
Então se o efeito é desastroso em adultos, que frequentam um dos melhores centros acadêmicos do país onde as vagas são extremamente concorridas, como fica os milhões de jovens e crianças cuja a personalidade ainda está em formação?
Contudo também são inúmeros os relatos de escolas que utilizam os aparelhos dos alunos como uma ferramenta de aprendizagem e de discussão de contextos sociais. Como o da Escola Estadual Yolanda Conte escola que atendem o ciclo 2 do ensino Fundamental e o Ensino Médio e vem utilizando até mesmo as redes sociais como forma de otimizar as aulas, criando comunidades de debates, grupos de estudo pelo WhatsApp, onde até mesmo a entrega de trabalhos pode ser online.
A verdade é que o mundo mudou drasticamente e com essas alterações vieram novos desafios e possibilidades, em meados da década de 80 já se imaginavam dispositivos computadorizados portáteis que se comunicariam com algum tipo de rede, a tecnologia foi prevista, mas seu impacto na sociedade e seu grau de penetração não. E então a escola, uma das instituições mais reticentes a mudança, tem seu maior capital atacado, o conhecimento, ataque vindo pelo front que ela mesmo deveria guardar, os alunos.
A grande lição que a escola deveria aprender é que a rede mundial está abarrotada de informações, como gotas em uma tempestade tropical, mas é extremamente escassa de conhecimento, esse sim é ainda dependente da escola, pois cabe a ela organizar e mediados pelas relações humanas instruir nossas gerações mais jovens, esse papel por hora nenhuma telinha de LCD conseguiu substituir.
Matéria sobre a pesquisa publicada na Computers & Education: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/09/uso-de-celular-em-sala-de-aula-dobra-efeito-negativo-nas-notas-aponta-estudo.shtml
Experiencia na Escola Estadual Yolanda Conte;
Vantagens do uso de celular na sala de aula:
https://recode.org.br/4-vantagens-do-celular-em-sala-de-aula/