INFORMÁTICA, SOCIEDADE E O CONFORTO DO MS PAINT, IDEIAS NEM UM POUCO ACADÊMICAS
Agosto de 2023
Prof. Lucas RC de Oliveira
INFORMÁTICA, SOCIEDADE E O CONFORTO DO MS PAINT, IDEIAS NEM UM POUCO ACADÊMICAS
Agosto de 2023
Prof. Lucas RC de Oliveira
Ou como quase 30 anos depois ainda nos escondemos atrás do MS Paint
Seria agir de má fé, negar a importância da informática na área da educação, dificilmente encontraremos qualquer setor educacional que não se beneficie das facilidades tecnológicas da informática e da rede mundial de computadores, seria até anacrônico escrever está afirmação uma vez que a implantação dessas tecnologias no ambiente educacional brasileiro nem é tão recente assim, já podemos contar em alguns casos com mais de 30 anos e nesse ínterim uma geração de professores nasceu já imersos nesse mundo, embora para alguns planejadores de politicas educacionais, principalmente as públicas, internet e laptops ainda pareçam novidades.
Entretanto, como tudo que se diz relacionado ao gênero humano, parece ser esse nosso “modus operante” a introdução da informática no ambiente pedagógico e sobretudo nas salas de aulas causou desde sua gênese, correntes de atuação diferentes, por vezes até antagônicas. Embora no Brasil essa discussão esteja restrita aos meios acadêmicos específicos da área, seus resultados acabam chegando as classes e escolas que tem a benção (ou não) de possuírem alguns sistemas informatizado com acesso a internet, como tablets, notebooks ou qualquer outro dispositivo conectado a internet. Sejamos bem sinceros enquanto essa tendência em alguns países já ultrapassa duas décadas de consolidação a escola brasileira como um todo ainda pende mais para o saudosismo do mimeografo do que para a alegria e deslumbramento (oras excessivo) do uso de tablets. Somos no contexto geral uma pedagogia ainda baseada no papel e lápis e no “bidirecionalismo” dos meios analógicos.
Negar que houve e ainda existam iniciativas da introdução do digital em nossa escola seria leviano, mas a própria afirmação já demonstra o quanto somos atrasados, uma vez que esse período já passou a muito em países desenvolvidos e lá as preocupações são outras como justamente o uso excessivo desses meios, contraditório não? Teria o Brasil então, antevendo possíveis problemas manter-se onde está, outra loucura, uma vez que o mundo digital já invadiu a sociedade e negá-lo seria o mesmo que questionar a existência do sol. O ponto que pretendemos chegar é o uso responsável dos mesmos, não como as terríveis máquinas alienantes de adestrar humanos, mas como justamente seu antípoda, aquela que pelo seu uso devidamente dirigido e refletido pose ser justamente o remédio para o mal do século.
Na época da introdução dos primeiros computadores nas escolas públicas brasileiras, quando os laboratórios de informática eram bem vistos e até encarados com uma certa mística, passado o entusiasmo de abrir os plásticos e tirar os lacres uma inexplicável pergunta brotou dentre os pesados monitores RCTs; O que fazer? Pelo visto esse pequeno detalhe não foi lembrado, que apesar das máquinas coisa até pouco tempo vista como artigos de luxo e destinado a grandes empresários ou laboratórios de ponta e agora estavam na dependência de nossas humildes escolas, pelo visto alguns achavam que ao ligar os computadores as máquinas como avatares de inteligência artificial iriam desenrolar as aulas e como numa quimera cibernética resolver os problemas educacionais do país; pois bem, não resolvemos e ainda criamos outro, já que agora ainda tínhamos que prestar contas de pesados investimentos em equipamentos. O que fizemos a princípio, recorremos a quem tinha o maior “norrau” no assunto, naquele tempo, as escolas profissionalizantes ou os cursinhos de informática, já que estes a tempo haviam desenvolvido uma competente metodologia para o ensino do uso do sistema operacional, na época o Windows e seus principais aplicativos do pacote Office. Foi a tabua de salvação, termos como inclusão digital pululavam nas propagandas estatais e imagens de crianças com os olhos esbugalhados desenhando círculos no MS Paint eram o frenesi do momento. O problema é que o aprendizado não passou do laboratório e a metodologia continua a funcionar bem nos cursinhos de informática e apenas lá. O pensamento educacional brasileiro continua ainda analógico, por boa vontade chegamos na máquina datilografa.
Um segundo momento foi quando imundados por uma gama interminável de produtos educacionais eletrônicos, a maioria de qualidade e procedência bem duvidosa, chegou a nossas escolas, e foi uma avalanche de gatinhos, peixinhos e toda sorte de bichinhos fofos em comunhão pela alfabetização e pelo letramento matemático dos pequenos, músicas infantilizadas, ilhas mágicas e aventuras pelos mundos das letras e números foi a grande moda no setor por volta dos anos 2000, esses softwares garantiam a atenção e a miraculosa capacidade de ensinar o que os defasados e carcomidos professores já não conseguiam mais, prometiam atrair a atenção de uma geração superestimulada pela televisão com uma dose ainda mais cavalar de estímulos sensoriais, no máximo era uma forma mais ruidosa e colorida de transmitir da mesma forma os mesmos conteúdos e com um agravante, tirava a autonomia do professor uma vez que esses programas estavam encapsulados com enredos fechados e cabia ao aluno acertar ou errar e ao professor ficar olhando passivo a trajetória do aluno, essa tendência a que infelizmente predomina hoje, principalmente com o uso de dispositivos moveis como tabletes e smartfones foi academicamente definida como “Instrucionismo”, e se caracteriza pela primazia da programação sobre o processo de aprendizagem, dos algoritmos sobre a relação entre professor aluno e de certa forma retira a autonomia docente e a coloca sob os interesses dos desenvolvedores desses programas e serviços. Foi também o tempo em que de forma tímida começou-se o uso dos sistemas de códigos abertos, sinônimo do uso do Linux e na época e sejamos sinceros, apavoravam até os técnicos em TI, uma vez que estás distribuições eram complexas com uma interface deficiente, e tarefas como instalar ou desinstalar programas eram tão complexas como entender o que era um carnel. Os softwares eram limitados, funcionavam mal, isso quando funcionavam e não foi a minoria de escolas que desinstalou as distribuições Linux da época e as trocou por cópias piratas do Windows e a segurança do MS Paint.
Em contrapartida a essa movimentação nos pregões estaduais e sobretudo no MEC com o advento do PROINFO (1997), tímidas foram as iniciativas de capacitação docente por meio dos governos e muito mais ridícula foi a adoção da temática na maioria das faculdades e universidades, salva algumas raríssimas e exclusivas exceções. O que reinava era na maioria apresentações genéricas que na maioria das vezes caia no mesmo esquema das escolas, ou seja copiavam o esquema dos cursinhos, só que com uma linguagem mais acadêmica. Por fim não passava de uma forma pomposa e em alguns casos nem tanto de ensinar os professores a usarem o MS Paint e a imprimir os rabiscos e círculos que porventura saíssem de lá.
Foi uma época em que a internet engatinhava pelo país e sua adoção nas escolas parecia a nova panaceia que solucionaria todos os problemas, na TV e revistas a rede mundial de computadores prometia o conhecimento infinito, diziam-se que grandes museus e bibliotecas estariam ao alcance de um clic, só faltaram esclarecer que o conteúdo não era tão grande assim e na sua maioria estavam em inglês, que as tais visitas a museus eram enfadonhas com gráficos e interação limitadas e qualquer jogo de vídeo game da década passada tinha mais atratividade, que o conteúdo das bibliotecas, além da barreira do inglês era e ainda o é limitado por leis de proteção aos direitos autorais e fazia com que o acervo disponibilizados posse de grandes clássicos da literatura mundial, na maioria anteriores ao século XIX, sem muito apelo a crianças e jovens. A transmissão de vídeos era devido a largura de banda muito reduzida e numa época pré-You Tude, não era qualquer servidor parrudo o bastante para conseguir armazenar vídeos. No mais a internet brasileira era para educação uma grande e bonita novidade que todos sabiam ser útil mais ninguém sabia como usar. Contudo a grande barreira era a infraestrutura, ter um laboratório de informática ou multimídia era tarefa relativamente fácil, o grande gargalo era a conexão a internet, essa dependia de grandes empresas do setor, que adoravam fazer pomposas propagandas em investimentos educacionais em ONGs ou escolas modelos, mais que não estavam dispostas a gastar milhões de reais em infraestrutura para levar a rede mundial de computadores em alta velocidade (míseros 1 mega na época) a maioria das cidades, até mesmo as de médio porte, sendo agraciadas apenas os grandes centros urbanos e assim mesmo suas mais nobres regiões. Nem mesmo a tecnologia de internet via satélite disponibilizada na época pela Embratel conseguiu suprir essa demanda uma vez que tinha um custo excessivo até mesmo para o governo e uma velocidade sofrível, além de estar refém das intemperes atmosféricas. Mais uma vez o pensamento educacional brasileiro quando se referia a informática continuava a encontrar conforto e segurança no nosso bom e velho MS Paint.
Nos anos 10 deste século o setor de comunicações teve uma grande revolução e ela não veio de laptops nem de computadores enormes, ele veio de um modesto retângulo que podia ser levado no bolso e aglutinava a função de vários aparelhos, era uma máquina fotográfica, um dispositivo de som que poderia comportar milhares de músicas, podíamos ler textos e até livros, a acima de tudo era capaz de acessar a internet tal qual um computador. Isso fez com que aos poucos o investimento e inovações das grandes empresas migrassem das telas dos computadores para as dos smartphones, alterando todo o ecossistema, desde angulação de tela já que celulares tem por preferência exibir conteúdos verticais, até a forma de armazenamento priorizando a nuvem devido a limitada capacidade de armazenamento da maioria dos telefones em comparação aos computadores, logo desktops foram relegados ao mundo do trabalho e no máximo as famílias possuíam notebooks para uso de estudo ou profissionais, contudo os celulares se tornaram onipresentes, mudando de uma maneira significativa a forma como nos comunicamos, interagimos com o mundo dos negócios e lazer, sendo hoje o grande mediador das relações humanas, fato que se comprovou com a pandemia do COVID 19 e nossa total dependência da internet e dos celulares.
Mas o que a escola brasileira faz a respeito disso, proíbe o uso nas suas dependências, se por um lado o uso de computadores e da internet era a grande salvação da educação brasileira, quando quase todo jovem possui seu computador com sua conexão particular ultra rápida, agora se converte no grande culpado, pelo fracasso acadêmico juvenil.
A universalização da conexão a internet de alta velocidade e a portabilidade dos dispositivos, abriu de certa forma uma caixa de Pandora de horrores que antes estavam ocultos (embora bem presentes) mais como civilização evitávamos encarar, racismo, supremacistas, podofilos, torturadores, negacionistas e todo tipo de seita macabra ficaram ao alcance de um clic e nossas crianças e jovens que estavam protegidos em nossas casas sob nossas presenças, agora podiam ser torturadas, aliciadas e estupradas bem na intimidade dos seus quartos enquanto nós relaxávamos assistindo a novela das sete.
Outra consequência sinistra que a era digital trouxe aos nossos lares foi o chamado vício ou compulsão em jogos digitais, crianças que perdiam boa parte de sua infância esbugalhadas diante de um console ou computador jogando todo tipo de entretenimento eletrônico. E o que começou de maneira tímida nos anos 80 atingindo principalmente filhos negligenciados das classes mais abastadas e eram de certo modo tratados de forma caricata, atinge hoje em dia um status quase de pandemia, e por falar em pandemia foi ela a de Covid 19 que exacerbou toda a potencialidade do mundo digital, seja ele para o bem ou para o mal, se por um lado foi a internet que possibilitou que muitos setores da sociedade continuassem funcionando como a educação, serviços, compras e até aquisição de alimentos, mas em compensação foi a mesma que aprofundou nosso isolamento, crianças que já tinham pouquíssimo acesso a atividades ao ar livre e encontravam na escola uma maneira mesmo que deficitária de suprir essas necessidades de uma hora para outra ficaram trancafiadas em pequenos apartamentos e pior ainda nem podiam acessar as áreas destinadas a brincadeiras como os playgrounds e quadras dos condomínios uma vez que esses espaços estavam fechados devido a restrições sanitárias e seus pais condicionados a levarem pesadas multas condominiais se desrespeitassem essas proibições não ousaram ir contra, restou aos pobres então o conforto hipnótico dos smartphones, computadores e vide games.
Outro aspecto da evolução da informática que a escola brasileira parece estar negligenciando é a questão do acesso, principalmente dos moradores das regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos e moradores de áreas rurais. Se num período, principalmente anterior ao da pandemia essas localidades sofriam com acesso devido a deficiente de infraestrutura, nos últimos três anos com a crescente demanda por conexões cada vez mais rápidas e estáveis e o barateamento dos equipamentos para instalação de conexões de fibra ótica o número de domicílios seja nos grandes centros urbanos, seja nas áreas periféricas ou mesmo nas zonas rurais explodiu, outro fator que devemos levar em conta foi possibilidade que a legislação abriu de pequenas empresas locais estabelecerem provedores de internet o que possibilitou que bairros ou áreas afastadas mais com grande demanda que antes não eram de interesse das grandes teles que dominavam o mercado pudessem ser atendidas com uma conexão estável e com um preço acessível a maioria da população.
Em resumo por meio dos smartphones nossas crianças e jovens tem o equipamento para acessar a rede mundial de computadores e por meio das pequenas empresas de fornecimento de internet via fibra ótica tem a infraestrutura barata para realizar uma conexão relativamente rápida e estável, em resumo chegamos a democracia digital tão sonhada nos finais dos anos 90 e infelizmente o paraíso não era tão bonito assim, ele escancarou horrores, atitudes e trouxe novos demônios a segurança de nossas casas, vêm viciando jovens e adultos, aliciando crianças e por vezes nem é percebido. E a escola o que faz a esse respeito, uma vez que tal situação atinge o amago da sua existência social ( a difusão do conhecimento), resolve proibir como o uso de celulares, tal qual os pais conservadores do século XIX que diante ao moralismo da sociedade da época escondiam a gravidez da filha solteira e por fim davam a criança para a adoção ou a criavam como mais um filho.
Infelizmente embaixo desse tapete já existe sujeira demais e ele (o tapete) não dá conta de esconder mais essa. Ou o pensamento pedagógico assume a situação de uma verdadeira inclusão digital, criando alunos com verdadeiro pensamento reflexivo e habilidades de trabalho em grupo e proatividade tão em necessidade hoje ou pela primeira vez desde a sua criação o sistema escolar vai de forma justa receber verdadeiro questionamento sobre sua validade como aparelho social.