Até algumas décadas atrás saber assinar o nome já era sinónimo de estar alfabetizado, a leitura de simples bilhetes, pequenas anotações, placas com nomes das linhas de ônibus eram o que grande parte da população tinha como experiência leitora. Nas escolas a preocupação era ensinar as crianças na decodificação da simbologia alfabética, nota-se claramente nas cartilhas e materiais didáticos da época. Num nível mais intelectualizado estavam a classe média, leitora de jornais diários, periódicos semanais e mensais, para os filhos destes as experiências leitoras já começavam cedo com acesso as bem encadernadas coleções literárias da época, como os volumes completos dos livros de Monteiro Lobato, ou a leitura de histórias em quadrinhos que viveu seu tempo áureo nas décadas de 60.
No pináculo desta cadeia alimentar do letramento estavam os acadêmicos, homens da universidade ou intelectuais, sempre com um livro debaixo do braço, atentos a última moda literária de vanguarda ou fervorosos defensores dos conceitos clássicos.
Contudo nas últimas décadas as coisas começaram a se alterar, seja pela vasta oferta de material escrito a custo muito baixo, seja pela exigência do mercado de trabalho que hoje precisa de mão de obra minimamente qualificada, onde aquele alfabetismo rudimentar dos anos 60 não serve mais. O que se esperava de uma criança em idos da década de 50 ou 60 em termos de experiência leitora ao fim da antiga 4º série, hoje 5º ano, seria admissível talvez a um estudante da Educação Infantil na atualidade, claro estamos falando de experiência leitora, do acervo bibliográfico que está criança teve acesso e não em relação a produção escrita, vejam que até as prioridades se alteram.
O letramento conceito que atualmente permeia os debates sobre alfabetização é um conceito que tenta abarcar todas as experiências com a linguagem escrita que uma pessoa possa ter ao longo de sua vida. Isso engloba, desde produções escritas corriqueiras como bilhetes e cartinhas até meios mais formais de comunicação envolvendo a linguagem escrita, como memorandos e requerimentos. Abrange também experiências leitoras e de uso efetivo da escrita e da leitura.
Nisto vimos o quanto a escola acabou destoando da sociedade e que sua antiga preocupação na decifração é justificável, contudo não suficiente diante da brutal demanda por cultura da contemporaneidade.
Mais eis que adentramos os anos 2000 e mais um fator complicou a já conturbada vida da alfabetização escolar, foi o surgimento das mídias eletrônicas e da rede mundial de computadores, talvez o fator mais impactante nos últimos anos desde a revolução industrial. Se antes tínhamos além da decifração da linguagem escrita toda uma camada de usos e contextos sociais agora sobre essa ainda se sobrepões outra ainda mais abrangente, com seus modelos, costumes e apesar de nova, sua história.
Novas formas de comunicação surgirão, novos gêneros textuais foram criados, blogs, mensagens diretas, vlogues, redes sociais, textos colaborativos as “wikis” toda uma tipologia para páginas de internet, um amontoado quase infinito de formato de fontes que querem expressar bem mais que as palavras que descrevem.
Neste contexto chegamos a criação do termo letramento digital, mas o que veem a ser essa nova modalidade de letramento e quais as suas relações com o primeiro.
Em primeiro lugar não se trata de termos distintos, mas complementares, uma nasce da outra é sua descendente direta, tomou-lhe emprestado sua estrutura básica, contudo tem suas peculiaridades devido ao meio que circula e como tal necessita de uma gama de habilidade para se estar inserido neste mundo.
A principio devido a naturalidade com que o jovem se aventura no mundo virtual parece que essa preocupação seja leviana, pois como diz o senso comum “já nascem apertando botões” em referencia a facilidade com que adolescentes e crianças tem com equipamentos eletrônicos. Contudo se analisarmos mais a fundo e verificarmos tal verdade, o que notamos é que o jovem é inserido não como um verdadeiro letrado no mundo virtual, mas adquirindo habilidades básicas de um ou mais nichos, quase sempre referentes a redes sociais ou sites para consumo de vídeos como o YouTube.
Quando precisam sair de sua zona de conforto e são confrontados com outras pericias, a maioria não dispõem de ferramentas para tal. Seja preencher um simples cadastro, ter o bom senso de saber se uma notícia é verdadeira, conhecer fontes confiáveis, não cair em golpes virtuais ou mesmo coisas mais corriqueiras como digitar um currículo, ou mesmo pagar uma simples conta pela internet.
Neste contesto que a escola deve ter papel de vanguarda, alguns choramingarão; -mais uma missão que escola deve abraçar para si, se mal damos conta das outras? Contudo a missão principal da escola enquanto instituição é preparar as novas gerações para o mundo que esta por vir, e como vamos prepara-los se não lhes oferecemos instrumentos para isso, ou pior se insistimos em instrumentaliza-los com ferramentas já ultrapassadas, seja por falta de preparo ou conhecimento, seja por puro saudosismo.
É importante que a escola encare esse papel de frente, papel de orientar alunos e até pais cuja algumas famílias andam assombrados com o comportamento dos filhos na rede mundial de computadores. Cabe a escola informar essas famílias que a internet não é um local seguro, é sim um grande repositório de cultura humana, mas infelizmente também reflete suas mazelas, criando até perigosas armadilhas para usuários desavisados. Em analogia a internet é como uma grande metrópole, com seus museus, centros de pesquisa, bibliotecas e teatros, mais também com locais perigosos e insalubres.
Tal qual o letramento convencional o digital também gera inúmeros debates, principalmente ligado a quando deve iniciar, uns acham que eletrônicos são nocivos a saúde mental dos pequenos e esse contato deve ser postergado até a pré-adolescência, outros acreditam que desde de cedo esses meios podem ajudar as crianças a expandirem seus intelectos e são capazes de fornecer possibilidades nunca antes vistas na história da humanidade.
Enquanto este debate voa alto em países de 1º mundo onde a introdução de computadores se iniciou em meados dos anos 80, por aqui ainda engatinhamos, ainda nos estrebuchamos por alfabetizar nossas crianças e ficamos em discussões obsoletas sobre métodos alfabetizadores, debates que já a anos foi concluido em boa parte dos países desenvolvidos.